"Acaso" para Aristóteles e outros filósofos clássicos era apenas a interseção fortuita de duas ou mais linhas de causalidade. Nos tempos modernos, no entanto, o termo assumiu dois significados diferentes. Alguns vêem o acaso como a ausência de qualquer causa. Como Mortimer Adler afirmou, alguns interpretam o acaso como “
o que acontece sem nenhuma causa — o absoluto espontâneo ou fortuito” (Sproul, xv).
Outros vêem o acaso como a grande causa, apesar de ser cega, e não-inteligente. Os naturalistas e materialistas geralmente falam dessa maneira. Por exemplo, desde David Hume, o argumento teleológico tem sido confrontado pela alternativa de que o universo resultou do acaso, não da criação inteligente. Apesar de o próprio Hume não tê-lo feito, alguns entenderam que isso significava que o universo foi causado pelo acaso, não por Deus.
O acaso, concebido ou pela falta de uma causa ou como a própria, causa, é incompatível com o teísmo. Enquanto o acaso reinar, Arthur Koestler observou,“
Deus é um anacronismo” (ibid., p. 3). A existência do acaso tira Deus do seu trono cósmico. Deus e o acaso são mutuamente excludentes. Se o acaso existe, Deus não está no controle total do universo e não pode existir um Criador inteligente.
A definição da palavra acaso depende parcialmente da cosmovisão a emprega. Dois usos geralmente são confundidos quando falamos sobre a origem das coisas: acaso como probabilidade matemática e acaso como causa real. O primeiro é apenas abstrato. Quando um dado é jogado, as chances são de um em seis que dará o número seis. A probabilidade é de 1 em 36 que dê seis nos dois dados e 1 em 216 que dê três seis se jogarmos três dados. Essas são probabilidades matemáticas. Mas o acaso não fez que os três dados dessem seis. O que interferiu foi a força e o ângulo do lançamento, a posição inicial na mão, como os dados bateram contra objetos na sua trajetória e outros resultados da inércia. O acaso não teve influência sobre o processo. Como Sproul disse: “
O acaso não tem o poder de fazer nada. Ele é cósmica, total e completamente impotente” (ibid., p. 6).
Para que ninguém pense que “viciamos” os dados ao citar um teísta, veja as palavras de Hume:
"O acaso, quando examinado estritamente,é apenas uma palavra negativa, e não significa qualquer poder real que tenha existência em qualquer parte’. [...] “Apesar de não haver acaso no mundo, nossa ignorância da causa real de qualquer evento tem a mesma influência na compreensão, e gera uma mesma espécie de crença ou opinião" (Hume, Seção 6).
Herbert Jaki, em
God and the cosmologists (Deus e os cosmólogos), apresenta um capítulo penetrante intitulado “
Dados viciados”. Ele se refere a Pierre Delbert, que disse: “
O acaso aparece hoje como lei, a mais geral de todas as leis” (Delbert, p. 238).
Isso é mágica, não ciência. As leis científicas lidam com o regular, não o irregular (como o acaso é). E as leis da física não causam nada; apenas descrevem a maneira como as coisas acontecem regularmente no mundo como resultado de causas físicas. Da mesma forma, as leis da matemática não causam nada. Elas apenas insistem em que, se eu colocar 5 moedas no meu bolso direito e colocar mais 7, terei 12 moedas ali. As leis da matemática nunca colocaram uma moeda no bolso de ninguém.
O erro básico de fazer do acaso um poder causai foi bem colocado por Sproul: “
1.O acaso não é uma entidade. 2. Não-entidades não têm poder porque não existem. 3. Dizer que algo acontece ou é causado pelo acaso é atribuir poder instrumental ao nada”. Mas é absurdo afirmar que nada produziu algo. O nada sequer existe e, logo, não tem poder para causar algo.
Nem todos os eventos do acaso acontecem por fenômenos naturais. Causas inteligentes podem iustapor-se ao “acaso”. Dois cientistas, trabalhando independentemente a partir de abordagens diferentes, fazem a mesma descoberta. Um ser racional enterra um tesouro. Outro o encontra por acaso ao cavar o alicerce de uma casa.
O que parece ser uma mistura aleatória não está necessariamente isento de propósito racional. Há um propósito racional por trás da criação de uma mistura aleatória de sequências numéricas num sorteio de loteria. Há um propósito racional para a mistura aleatória de dióxido de carbono que expelimos no ar à nossa volta; senão voltaríamos a respirá-lo e morreríamos de falta de ar. Nesse sentido, Deus, o Criador, e o acaso não são conceitos incompatíveis. Contudo, falar sobre a causa do acaso é absurdo.
Estritamente falando, o acaso não pode causar ou originar o Universo e a vida. Todo evento tem uma causa adequada. As escolhas são causas inteligentes ou causas não-inteligentes,causas naturais ou causas não- naturais. A única maneira de saber de qual delas se trata é pelo tipo de efeito produzido. Já que o universo manifesta criação inteligente, é razoável supor uma causa inteligente. O acaso ou a casualidade aparente (como a loteria ou a mistura de moléculas de ar) pode ser parte de um desígnio geral, inteligente, na criação.
Retirado do livro: "Enciclopédia de Apologética" - Norman Geisler - Editora Vida